E como pode uma empresa promover a diversidade e inclusão, para que os colaboradores aprendam a lidar com as suas diferenças? Que preconceitos ainda se perpetuam a nível da seleção e recrutamento de talentos, e em que é que o teletrabalho veio fazer a diferença? Para responder a estas e outras questões, fomos falar com a PHC Software, Unipartner e CGI.
De acordo com a Carta Portuguesa para a Diversidade, a diversidade é entendida como o reconhecimento, o respeito e a valorização das diferenças entre as pessoas. A inclusão, por sua vez, e de acordo com a associação GRACE, significa compreender, respeitar, valorizar e acolher essas diferenças pessoais e culturais, por forma a criar um ambiente de trabalho onde todas as pessoas se possam desenvolver, participando no sucesso da empresa.
A verdade é que os trabalhadores que estão inseridos em organizações abertas, diversas e inclusivas são geralmente mais bem-sucedidos, já que cada colaborador tem a possibilidade de trazer para o local de trabalho o seu verdadeiro «eu». Mas a realidade é que, em certas empresas, ainda existem critérios, como a idade, o aspeto ou a aparência física, que podem desfavorecer um candidato num processo de recrutamento. Da mesma forma, também existem formas de discriminação, seja relativamente à orientação sexual, identidade de género ou até incapacidade. Por essa razão, torna-se cada vez mais urgente dar palco a estas temáticas e perceber o que está a falhar nas organizações portuguesas.
Pode o teletrabalho promover a inclusão no trabalho?
O teletrabalho veio, de certa forma, gerar oportunidades e garantir alguns direitos, ao permitir que as circunstâncias individuais e familiares sejam tidas em conta em contexto de trabalho. Em muitas ocasiões, o teletrabalho é também percecionado como uma forma de limitar, de igual modo, a desigualdade relativamente ao género, e também de contribuir para o equilíbrio entre vida pessoal, familiar e profissional.
«Penso que será importante olharmos cada vez mais para a ideia de equidade e não de igualdade, já que ser mulher não é igual a ser homem.» Rute Ablum, Administradora e Chief Management Officer na PHC Software, acredita que, em contexto de teletrabalho, este é um diálogo que deve estar presente. Na opinião da responsável, o teletrabalho dificilmente veio resolver problemas que são muito mais relacionados com a cultura organizacional do que com o modelo de trabalho.
Para se traçar um caminho para a equidade, as empresas devem ter uma «mentalidade aberta ao mérito, independentemente das características sociológicas das pessoas». De acordo com Rute Ablum, ainda há um longo caminho a percorrer para que as oportunidades de trabalho e a capacidade de entrega não sejam enviesadas por outros aspetos. No entanto, fala-nos da sua própria experiência com positivismo: «Felizmente, trabalho numa empresa em que essa questão está ultrapassada, e onde não só existe equidade, como essa equidade acabou por naturalmente levar à paridade. Metade da PHC são mulheres, inclusive nos cargos de liderança.»
Ainda assim, será que o teletrabalho veio contribuir de alguma forma para uma maior diversidade de perfis, ao eliminar fronteiras, e para uma maior inclusão? Elisabete Chaves, Diretora de RH na Unipartner, acredita que o trabalho remoto trouxe seguramente novas oportunidades, que podem servir como «atenuantes de desigualdades». Contudo, para se evoluir para uma verdadeira inclusão, é necessária uma interação com proximidade. «É necessário um contexto onde todos desafios e sucessos possam ser partilhados em equipa e com um sentimento de pertença já nutrido. Isto significa que, potencialmente, o equilíbrio estará em usar formatos digitais para quebrar algumas barreiras e, simultaneamente, fortalecer relações num modelo que também permita proximidade e partilha», sublinha a responsável.
«O teletrabalho pode até facilitar algumas barreiras, mas inevitavelmente pode criar outras que na nossa cultura são fundamentais, como a proximidade. Se temos a sensibilidade de identificar que alguém necessita de circunstâncias especiais de flexibilidade ou até algum apoio, procuramos estar próximos e acompanhar da melhor maneira», conclui.
A verdade é que o teletrabalho não é totalmente positivo nem totalmente negativo, mesmo quando se fala em diversidade e inclusão. A opinião é de Manuela Rosa, CSR Lead da CGI Portugal. «Pessoas portadoras de deficiência ou que tenham ao seu encargo crianças ou dependentes têm, agora, a possibilidade de trabalhar a partir de casa e mais oportunidades de desenvolverem as suas capacidades, devido ao aumento substancial de oferta formativa por remote learning», sublinha. No entanto, e segundo a responsável, ainda existem grandes desafios a nível da manutenção da cultura organizacional e da promoção de relações sociais, em ambiente profissional, que devem ser tidos em conta quando refletimos sobre os benefícios do teletrabalho para a inclusão e diversidade no trabalho.
Trabalhar uma cultura de diversidade e inclusão
O primeiro passo deve ser trabalhar uma cultura em que a equidade é natural e não imposta – e isso cultiva-se e trabalha-se. Rute Ablum acredita que «as pessoas devem ser ouvidas, vistas pelo seu mérito, avaliadas por ele, e valorizadas pelo seu contributo». No entanto, a verdade é que existem entraves ao diálogo e à valorização cultural das pessoas nas organizações; e ideias que forçam a inclusão por características meramente sociológicas (como o forçar de quotas) podem ser um entrave e não uma boa prática.
«É preciso evitar soluções que tentam camuflar em vez de resolver», adianta a profissional.
«Trabalhar a cultura de forma profissionalizada é o ponto-chave. E, depois, fomentar o diálogo, para que a empatia se desenvolva e todos se compreendam mutuamente. É assim que fazemos na PHC Software: cultura de equidade e muito diálogo para nos compreendermos», remata.
Na Unipartner, a aposta na flexibilidade e em modelos de trabalho que possam oferecer espaço para diferentes realidades veio exatamente ao encontro da busca por um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Independentemente das características ou crenças, esse espaço surge como uma possibilidade de o trabalhador gerir o seu tempo de acordo com as suas prioridades, com a liberdade de priorizar aquilo que mais valoriza, de forma privada e sempre que o entender. Contudo, Elisabete Chaves também concorda que, de um modo geral, há um caminho a percorrer: «Onde creio que se tem vindo a trabalhar mais a fundo, mas que requer ainda um grande caminho nas organizações portuguesas de uma forma mais geral, é na adaptação dos locais de trabalho e dos requisitos não fundamentais das funções para a integração de pessoas com algum tipo de incapacidade». E acrescenta: «Temos um imenso capital humano que necessita de algum foco por parte das organizações, no que toca à sua incorporação em equipas, o que começa pelo mindset interno».
Havendo o risco de acentuar apenas as diferenças, a profissional acredita em seguir critérios focados nas competências técnicas, mas também comportamentais, e nas experiências que determinada pessoa pode trazer à organização.
Para uma cultura diversificada, é necessária uma pluralidade de pensamentos, backgrounds e experiências.
De acordo com Manuela Rosa da CGI, é desta riqueza de pontos de vista que nascem ideias inovadoras que quebram com o padrão, possibilitando novas abordagens e novas soluções para os problemas.
Por esse motivo, a valorização da diversidade, inclusão e da equidade é parte integrante da forma como a CGI atua. «As nossas políticas internas de antidiscriminação e anti-assédio, bem como o Código de Ética da CGI, garantem a igualdade de oportunidades e de evolução de carreira na nossa organização», refere a responsável, garantindo que o objetivo é manter uma equipa de profissionais que reflitam as comunidades onde atuam, um pouco por todo o mundo.
Aceitar as diferenças e a diversidade dentro da organização
Dentro da organização, é igualmente essencial fomentar uma cultura que não discrimina e que prima pela diversidade e inclusão. Assim, e para fomentar e promover uma cultura inclusiva, a empresa pode optar por diversas iniciativas ou projetos. Criar um portfólio de iniciativas estruturadas, tendo em conta o setor e o contexto de negócio, é uma das boas práticas que podem ser implementadas. Da mesma forma, CEO e líderes devem partilhar uma visão convincente sobre estas temáticas, e garantir o comprometimento na execução, passando essa mesma visão em «cascata» para a gestão intermédia.
Para Rute Ablum, tudo começa na forma como a cultura é trabalhada e no diálogo que permite a compreensão mútua. «Por vezes leio alguns artigos que pretendem medidas muito específicas, quase de afirmação de grupo, mas depois penso que a inclusão e equidade na PHC se atingiu por uma via totalmente oposta, que foi a da naturalidade cultural», sublinha. A responsável confessa que o processo de recrutamento desempenha um papel muito importante neste equilíbrio cultural. «Na PHC, não contratamos apenas pela competência técnica, mas também pelo enquadramento na nossa cultura.»
«Todos conhecemos a teoria da maçã podre que pode contaminar o resto do grupo, e é por isso que detetar e corrigir atempadamente os comportamentos incorretos é fundamental para manter esta cultura sã. Como diz o nosso CEO, Ricardo Parreira, “mais depressa se despede alguém por ter comportamentos incorretos, do que por ter uma lacuna técnica.” A segunda corrige-se mais facilmente do que a primeira.»
Uma cultura de proximidade, com liberdade e com máxima responsabilidade facilita, de acordo com Elisabete Chaves, a gestão da diversidade a vários níveis. Exemplo disso é o aumento do número de mulheres na equipa da Unipartner; e o segredo da inclusão não está em forçar o processo nem na definição de cotas. «Se seguirmos um método justo e inócuo de seleção, através do qual avaliamos efetivamente conhecimentos e competências, não é necessário haver uma preocupação sequer com a inclusão; ela decorre de forma natural e até sem nos apercebermos», refere. Já no dia a dia de trabalho, a inclusão é um work in progress.
Manuela Rosa acredita que esta deve ser uma preocupação que se deve refletir na gestão diária de uma organização. Por isso, na CGI, têm sido implementados diversos programas que pretendem suportar, a nível global e local, uma orientação pela inclusão e diversidade. Estes programas passam, por exemplo, pela criação, nos EUA, do grupo Black Member Alliance, com foco em questões que impactem a comunidade negra, promovendo o desenvolvimento de ações de educação, tutoria, controlo e responsabilidade, em parceria com as comunidades; pela criação de iniciativas direcionadas às mulheres, com uma rede global que pretende apoiar o sucesso geral das mulheres, com programas que oferecem desenvolvimento pessoal e profissional; pelo programa global STEM@CGI, que inspira e orienta jovens para o desenvolvimento das suas carreiras na área das ciências; pelo projeto Handi-ready, em França, que visa a inclusão de pessoas portadoras de deficiência, fazendo a ponte entre estas e as organizações de TI; e a criação de gabinetes locais e regionais dedicados a eventos e atividades de apoio à comunidade LGBTQIA+, que incluem, por exemplo, as «Pride Parades». Estes são alguns dos exemplos de iniciativas desenvolvidas internamente pela empresa, que vêm garantir o suporte a todos os colaboradores.
Desigualdade de oportunidades: o que está a falhar nas empresas?
No LinkedIn, a título de exemplo, é comum lermos algumas queixas e protestos por parte de candidatos, relativamente à desigualdade de oportunidades em processos de recrutamento, seja devido à aparência, género ou etnia. O que falta às empresas portuguesas para se tornarem ainda mais inclusivas e diversas em processos de recrutamento? Que preconceitos ainda se perpetuam a nível da seleção, e o que deve ser alterado com urgência? Rute Ablum confessa que, infelizmente, ainda existem casos em que este tipo de situações ocorrem, e fala-nos da sua própria experiência: «Eu própria passei por isso antes de entrar na PHC. Fui a entrevistas em que ouvi alguns comentários sobre o facto de ser mulher e que só me fizeram pensar que não quereria trabalhar naquele local. No entanto, temos de avaliar caso a caso para se evitar injustiças, já que em muitos casos o candidato poderá ter ficado com uma impressão, num contexto em que a escolha poderá ter sido apenas técnica.»
A responsável alerta para urgência de as empresas falarem abertamente sobre o assunto, por forma a encontrarem soluções que evitem possíveis perceções erradas, e a tornarem claro que ninguém deve ser discriminado pelas suas características sociodemográficas.
Elisabete Chaves acredita que o mundo está, claramente, a mudar. Para a diretora de RH, os vetores avaliados em contexto de recrutamento vão variar em função da cultura da organização, do setor e até da função em questão. Contudo, estas desigualdades vão além de empresas e de processos de recrutamento: «Os preconceitos laborais estão também associados às características da restante cultura do país.»
Embora Manuela Rosa defenda que esta não é a realidade vivida na CGI, também confessa que existe, de um modo geral, um caminho a percorrer. Ainda que nos últimos anos as empresas portuguesas tenham feito progressos para reduzir e eliminar estigmas nas contratações, é ainda necessário ultrapassar preconceitos inerentes às variáveis como idade, género, etnia, entre outros, e avaliar os candidatos de acordo com a experiência, skills e know-how.
«Para que haja uma efetiva mudança de paradigma no processo de recrutamento, é necessário que as empresas estejam preocupadas em implementar a inclusão a todos os níveis organizacionais. A verdade é que políticas que pugnam pela diversidade e a inclusão nos processos de recrutamento e seleção precisam de se tornar numa prática transversal a todo o setor empresarial para que tenhamos uma sociedade mais equilibrada. E, em certa medida, as empresas portuguesas podem assumir uma pequena parcela dessa responsabilidade como um agente de mudança social e empresarial», refere a responsável.
Diversidade de idade: Uma vantagem para as organizações?
Numa altura em que os jovens lutam para ingressar num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, é necessário que esta temática ganhe o seu lugar no contexto organizacional. A verdade é que existem realidades em que os perfis mais seniores são «abandonados», ou, por outro lado, em que perfis mais juniores têm dificuldade em abraçar novas oportunidades.
Mas existe uma relação entre diversidade e negócio: a existência de uma equipa diversa está diretamente relacionada com o bom desempenho financeiro, de acordo com o que ditam as estatísticas. As vantagens passam por um maior compromisso ético, responsabilidade e justiça social, e até mesmo, em última instância, por uma maior satisfação no trabalho e notoriedade da empresa.
De acordo com Rute Ablum, a requalificação profissional será um tema que entrará cada vez mais na agenda, e as empresas ganham a responsabilidade de não deixar ninguém para trás. «Tanto os mais velhos como os mais jovens têm um papel importante a desempenhar, e temos de criar condições para que essa pluralidade seja uma realidade nas empresas. Na PHC temos uma média de 37 anos de idade, que reflete uma grande força de trabalho jovem e em formação, pessoas no pico da carreira, e pessoas mais seniores com muito para ensinar», adianta a responsável. Para que isto seja possível, é necessário o estímulo do desenvolvimento contínuo, com formação técnica e comportamental, mas também uma cultura de inclusão e desafio constante que combata o «envelhecimento profissional».
Elisabete Chaves é da opinião de que uma equipa com diversidade geracional traz desafios de gestão que implicam ter um maior alinhamento com as diferentes preocupações das diferentes gerações. A ideia de «one size fits all» deixou de ser uma realidade funcional. «Se, por um lado, a experiência é adquirida pelas conquistas que a idade e a vivência trazem, por outro, a atualidade das novas ferramentas e a energia que são características dos mais jovens também são fundamentais para o sucesso de uma organização», afirma a profissional. Na Unipartner, existem vários exemplos distintos da capacitação em diferentes idades ou perfis, sejam eles tecnológicos ou não. Elisabete Chaves considera que o setor tecnológico traz uma grande vantagem a este nível: «A sua grande procura permite reconversões de competências e programas de capacitação que cada vez mais dão oportunidade a diferentes pessoas, em diferentes momentos da vida, com vista a entrar no mundo tecnológico, atualizar ou capacitar-se».
Manuela Rosa acredita que este é um tema que merece atenção, dada a crescente falta de empregabilidade.
«Atualmente, verifica-se um aumento da procura por profissionais mais jovens, quando se deveria valorizar, igualmente, a senioridade pela experiência e pelo know-how que traz consigo. Por outro lado, e devido às características do mercado de trabalho, existem os jovens recém-licenciados que não encontram colocação remunerada de acordo com as suas qualificações», sublinha a responsável.
Para Manuela Rosa, a solução pode passar por medidas que promovam a sinergia entre diversas gerações, quer através de programas de mentoria, de planos de carreira personalizados e ajustados a cada perfil ou até mesmo através da integração de diversas gerações no mesmo projeto. «Desta forma, as organizações conseguem retirar maior valor do melhor que cada geração tem para oferecer», conclui.
Fonte: Sair da Casca e GRACE