Oponto de partida de todo o trabalho foi uma questão muito simples e clara colocada pela Mafalda logo no início dos trabalhos, há cerca de dois anos – a nível social, o que vai acontecer? Irão os robôs substituir a espécie humana? Na altura, pré-Covid, éramos “bombardeados” quase todos os dias com previsões segundo as quais “oitenta por cento dos empregos vão desaparecer dentro de dez anos”, por exemplo. Por outro lado, revistas supostamente sérias apresentam capas com três seres humanos e um “robocop” – será que os robôs vão chegar, tomar o poder, e pagar impostos? Eram estas as questões com que a Humanidade se debatia, há dois anos.
Enquadramento
Curiosamente, a literatura científica sobre o assunto não era tão vasta e densa como se suporia. Aparte alguns best-sellers como Superinteligence, (Bostrom, 2016) não encontrámos nada em que nos pudéssemos basear firmemente. Por outro lado, à medida que fomos procurando informação tornou-se nítido que a tese iria incidir sobre cinco aspetos fundamentais:
• Robôs e recursos humanos
A tecnologia não deve substituir os seres humanos, mas melhorá-los e melhorar a sua condição (Finneran, 2015). Será, portanto, possível reconciliar ambas as realidades de modo vantajoso, com melhores resultados organizacionais e maior satisfação dos trabalhadores. A mudança tecnológica deve ser feita com prudência, uma vez que pode não ser aceite pelos trabalhadores, tendo então efeitos negativos muito consideráveis para as organizações.
• Robôs e gestão de recursos humanos
A introdução de IA nas organizações leva a mudanças em áreas tão variadas como o recrutamento, a integração, a avaliação do desempenho, as remunerações, a progressão na carreira. O modo como os RH se articularem com a IA pode ser decisivo para a vantagem competitiva da empresa (Williams, Ashill e Naumann, 2015).
• Robôs e desenvolvimento dos recursos humanos
A evolução tecnológica cria grandes duvidas sobre qual é o tipo de formação que os trabalhadores devem ter, uma vez que as rotinas passarão tendencialmente a ser desempenhadas por máquinas. Daí a importância crescente dos aspetos emocionais, sociais e criativos (Djankov, and Saliola 2018);
• Robôs e organizações
Segundo Wilkes (1998), os robôs deveriam ajudar os seres humanos nas organizações; outros autores mais recentes colocam a hipótese da substituição (Wang, 2016). As organizações são compostas por indivíduos que conseguem aprender; com a introdução da AI, o trabalho desses indivíduos deve tornar-se mais específico e complexo, deixando a rotina simples para a máquina. A IA dá às organizações virtuais a possibilidade de mitigarem os limites dos indivíduos;
• Robôs a nível social
A inteligência artificial evoluiu a uma velocidade que não era antecipada. Alguns autores consideram que, entre 2030 e 2045, a inteligência artificial (IA) ultrapassará os seres humanos (Zovko, 2018). Hoje em dia, a IA já é muito usada, mas subsistem problemas morais e éticos (Bostrom, 2017), baseados nas perceções complexas e pessimistas dos trabalhadores sobre os robôs e na ansiedade criada pela possibilidade da substituição dos seres humanos por robôs.
Metodologia
Curiosamente também não encontrámos nenhum questionário validado que incluísse os cinco tipos de questões que acabámos de mencionar. Isto levou a que construíssemos o nosso próprio questionário, com uma escala de Liekert de cinco pontos, e que foi aplicado em fevereiro e março de 2019, presencialmente e online. Obtivemos 180 respostas validadas. Em março e abril deste ano, o mesmo estudo foi replicado em Espanha, e conseguimos 150 respostas.
Resultados sobre Portugal
Em relação aos cinco grupos de questões, todos os grupos, sem exceção, receberam valores superiores a 3, variando de 3.2 (sociedade) a 4 (desenvolvimento de recursos humanos). Isto significa que a perceção dos consumidores de IA e robôs sobre a utilização futura dessas tecnologias é positiva. Contudo, aconteceu uma exceção interessante: em relação à questão 27, que se relacionava com a possibilidade de os robôs virem a ter emoções e sentimentos, a moda foi 1 e a média 2.15. Este resultado é muito interessante, porque parece indicar que as populações não acreditam na possibilidade de os robôs virem a ter, na sua plenitude, capacidades mentais semelhantes às dos seres humanos.
Este facto diminui a importância dos robôs nos cenários do futuro e reforça o domínio dos seres humanos sobre o planeta Terra. Ou seja, as pessoas acreditam que os robôs serão mais fortes e mais rápidos em aspetos específicos, mas eles nunca terão alma, nunca saberão que podem morrer e, por isso, serão sempre inferiores aos seres humanos.
Este simples facto restringe consideravelmente a possibilidade de acontecer a substituição a que a questão que consta no título deste artigo se refere. E este facto também limita substancialmente o realismo de algumas hipóteses intensamente veiculadas pelos media sobre a natureza e importância futura dos robôs na História, as quais não passam, portanto, de ficção científica.
Finalmente, efetuámos uma análise fatorial exploratória e encontrámos cinco fatores:
1. Impacto no conhecimento;
2. Efeito da globalização na sociedade;
3. Impacto da introdução dos robôs nos Recursos Humanos;
4. Impacto no trabalho humano;
5. Efeito na interação entre Humanos e Máquinas.
Resultados sobre Espanha
Os dados obtidos confirmam, na generalidade, os resultados de Portugal. Ou seja, de novo existem expetativas positivas sobre os cinco tipos de questões com um mínimo de 3.3 em “Sociedade” e um máximo de 3.9 em “Organizações”. E novamente a questão 27 sobre emoções e sentimentos “destoa” com uma média inferior a 2.
Ou seja, em Portugal, como em Espanha, os consumidores de robôs e IA acreditam na positividade das consequências de aplicação da tecnologia, mas não acreditam na “humanização” da tecnologia e, portanto, na tomada do poder pelos robôs. Como estudos futuros propomos, por um lado, aprofundar a análise do “mercado”, contrapondo as perceções dos consumidores às dos produtores de IA, fazendo uma análise de conjunto e, por outro, alargando o âmbito geográfico do estudo. Há muito que fazer.